Estudo inédito aponta que a precificação horária da energia terá efeitos distintos no mercado
Dados da comercializadora Trinity Energia apontam que metalurgia e manufaturados podem ser os mais afetados pela mudança do PLD em 2021
Após passar por diversos adiamentos, será implementado em 2021 o preço de energia hora a hora. Atualmente, a lógica da definição da programação do sistema elétrico brasileiro e do preço de curto prazo (chamado de PLD – Preço de Liquidação das Diferenças) é feita de forma semanal, dividido em patamares.
Ou seja, as horas da semana são agrupadas em níveis de carga (leve, médio e pesado) e o preço, na mesma semana, patamar e submercado não varia.
Após a mudança, os preços passarão a variar hora a hora. Para a programação do sistema, essa alternativa traz diversos benefícios, por conseguir responder melhor à variação de carga, disponibilidade de geração e de infraestrutura de transmissão.
Essa programação irá refletir melhor a realidade do Sistema, reduzindo eventuais descolamentos entre o custo efetivo da operação e o PLD, resultado numa operação mais eficiente.
Para exemplificar, a variação intradiária no ano de 2019 com a atual configuração dos preços, teve uma média para o submercado Sudeste de cerca de R$ 7,46 /MWh. Com a implementação do PLD horário, esse valor salta para R$ 29,67 /MWh, valor quase 4 vezes maior.
A diferença entre o preço médio de dias úteis e não úteis com o atual modelo é de cerca de R$ 1,76 /MWh.
Após a mudança, essa diferença salta para R$ 13,51 / MWh, mais de 7 vezes maior.
Embora já seja um risco assumido por geradores e consumidores com perfis diários de consumo ou geração variados, a implementação do PLD horário faz com que essa questão deva ser analisada com mais cuidado, e ganha mais relevância uma gestão de riscos eficiente, permitindo identificar oportunidades e riscos a serem mitigados, otimizando o resultado na operação no Ambiente de Contratação Livre.
Grande parte das negociações no mercado livre de energia determinam entrega constante ao longo do mês, ou seja, em todas as horas do mês o vendedor entrega exatamente o mesmo montante de energia para o comprador. Como o consumo ou a geração não seguem isso e variam hora a hora, sempre são verificadas pequenas faltas ou sobras, que são valoradas ao preço naquele momento.
Dessa forma, um consumidor como um shopping center quando avaliamos o consumo e contrato hora a hora tem sobras de energia no período da madrugada, quando a demanda e preço da energia são menores, e faltas de energia no início da tarde, quando o fluxo de clientes é maior, exigindo maior consumo em um momento do dia que a demanda por energia e seus preços são mais altos.
O corpo técnico da Trinity Energia, se preparando para a mudança, avaliou seus impactos tomando por base informações do PLD horário oficiais publicadas pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica para o ano de 2019 e o consumo dos consumidores de sua carteira nesse mesmo período.
Já que os dados de 2020 foram profundamente afetados pela pandemia do Covid-19, e sua análise traria distorções significativas nos resultados, motivos pelos quais foram descartados.
Não somente os consumidores são afetados. Grandes players que constroem usinas para geração de energia também devem se atentar a essa mudança.
A energia solar fotovoltaica, por exemplo, concentra a maior parte da sua geração em um período de intenso consumo, então a energia gerada por esses empreendimentos tem um valor maior para o sistema.
Comparando com um contrato flat, a energia solar de uma usina no interior do Piauí vale cerca de R$ 1,32 a mais a cada mil kWh (quilowatt-hora) de energia gerados. Já a energia eólica de uma usina no interior do Rio Grande do Norte, tendo a sua geração mais intensa à noite, vale cerca de R$ 10,00 a menos a cada mil kWh.
No gráfico abaixo (no arquivo anexo) é apresentado o resultado da simulação realizada por segmento da carteira de clientes da Trinity, demonstrando o impacto R$/MWh que cada consumidor desses segmentos teria em 2019 caso a aplicação do preço horário já estivesse ocorrendo, o que pode servir como base de avaliação dos possíveis impactos que ocorrerão em 2021.
Na média, entre os pontos avaliados, os setores mais afetados pela mudança são os de metalurgia e manufaturados diversos, com um custo adicional de R$ 4,73 /MWh e R$ 5,16 /MWh, respectivamente. Embora muitas dessas indústrias mantenham um consumo bem regular ao longo do dia, com poucas sobras e faltas horários, tipicamente o setor funciona apenas em dias úteis.
Isso significa que existem grandes sobras de energia aos finais de semana e feriados, quando os preços diminuem significativamente em relação aos praticados em horários comerciais, momentos em que haverá falta de energia.
Os setores de comércio, que engloba supermercados, e de serviços, entre os quais se encaixam shoppings e hotéis, mantém ao longo da semana um consumo mais regular, percebendo um efeito mais brando da aplicação do PLD horário (R$ 3,59 /MWh e R$ 3,25 R$/MWh de custo adicional, respectivamente).
A análise realizada ainda aponta que os setores menos impactados pela alteração são os de químicos e saneamento, em função de possuírem atividades e processos contínuos, que garantem um perfil de consumo regular ao longo do dia e da semana.
É importante destacar que políticas de planejamento energético, como o programa de Resposta da Demanda (quando o consumidor recebe por reduzir voluntariamente seu consumo, evitando a necessidade de geração de usinas térmicas mais caras), bem como a própria expansão da capacidade de geração e transmissão tem potencial de trazer efeitos para a formação de preços, amortecendo essas flutuações.